O chalé era pequeno e havia muitas bugigangas espalhadas pelo
cômodo, que devia ser a sala. De trás de uma das bancada, um senhor de cabelos
desgrenhados e grisalhos apareceu usando os óculos na ponta do nariz fino.
— Ministro Gilbert a que devo sua visita? – O senhor
perguntou.
“Ministro” ecoou na
cabeça de Peter, ele já deveria notar que ele tinha uma postura de autoridade
na vila.
— Garotos, este é Cadmo, o nosso alquimista. – Sorriu ao
velho amigo.
Cadmo saiu de trás da bagunça e se aproximou.
— Prazer. — E balançou rapidamente a mão dos meninos. — E
vocês são...
— Este é Peter Mathews, o Escolhido. – Gilbert informou.
Thomas ficou um pouco incomodado pela preferência ao primo,
mas deixou passar.
— Vo-Você é... – gaguejou.
— Preciso de uma explicação, Cadmo. – Gilbert interrompeu e
Cadmo assentiu ansioso. —- É possível que... — e analisou os garotos – pessoas
de outros mundos venham para o nosso?
— Hum... Possível? Tudo é possível... Sim, é possível –
respondeu coçando sua cabeça quase careca. — Acho que sim... – corrigiu-se, um
pouco confuso. — Mas por que pergunta?
Gilbert refletiu um pouco antes de responder.
— Acredito que eles não sejam desse universo – disse por fim,
cada um fez uma cara diferente, mas todos ficaram surpresos.
— Você acha que... Somos de outro mundo? – Peter perguntou.
— Há outra explicação? Em meus 37 enes nunca conheci pessoas
como vocês, além dos loucos, é claro.
— Nós que somos os loucos agora... — Thomas cochichou irônico.
Cadmo se aproximou de Peter, o rondando, depois fez o mesmo
com Thomas.
— Nosso próprio universo seria como
uma bolha num mar de outras bolhas semelhantes. Suponho que esses universos...
— E andou por eles. – Sim, sim, podem entrar em contato entre si — disse
pensando consigo mesmo.
— Isso... É loucura! É verdade que
nunca ouviram falar nos Estados Unidos, Europa, Asia? — Eles negaram. — Já
tinha ouvido falar sobre essa teoria dos universos, mas... Deus, não vejo outra
explicação. — Peter finalmente concordou. — Mas como...?
Cadmo voltou para trás do balcão mexendo
em uma papelada.
— Eu avisei que não gostava daquele
tipo de florestas! — Thomas reclamou.
— É, eu sei... Devia ter te ouvido,
mas sei lá, parecia que algo estava me chamando.
— Então estamos realmente em um
mundo paralelo? – Thomas perguntou baixinho.
— Aqui! – Cadmo saiu correndo do
balcão, limpou uma mesa ao lado deles fazendo cair uma névoa de poeira e abriu
um papel amarelado na mesa. – Uma vez, eu estava elaborando uma ideia... Sabemos
que existem outros mundos. – E olhou para eles, subindo seus óculos. – Mas-Mas...
A colisão, a interação direta, trazendo seres de lá... – E apontou para os
garotos. — É tecnicamente impossível, seria preciso uma grande quantidade de
magia e energia para criar um buraco entre os mundos, sem contar que poderia
causar uma explosão inimaginável, criando outro universo.
Peter analisou o papel na mesa,
contendo rabiscos e desenhos circulares.
— Ow, cara... — Peter chamou a
atenção de Thomas. — Será que foi esse tipo de explosão originou o Bing Bang, já
que nenhum cientista sabe exatamente de onde ou por que ocorreu a explosão? Será
que foi por que dois universos se colidiram? — Thomas levantou uma sobrancelha,
ciências não era seu forte. Peter gostava de física, para surpresa de seus
colegas de escola.
— Oh, isso é esplêndido! Tenho
tantas perguntas para vocês. – Cadmo disse extasiado.
— Espera. Não é possível... – Thomas
tirou a mochila das costas e a colocou na mesa, pegando seu celular. – Droga,
sem bateria. – E o colocou ao lado dos papeis. Logo fez um barulho estranho e começou
a sair fumaça dele. – Ótimo, já era! – exclamou nervoso ao ver que seu celular
havia quebrado. E continuou a procurar outras coisas na mochila.
Achou seu PSP e tentou ligá-lo, mas
nada aconteceu. Cada aparelho que não pegava o deixava mais irritado.
Peter olhou para seu relógio de
ponteiros. Muitos de seus amigos o achavam ultrapassado, mas Peter gostava
dele, ainda mais por ter sido presente de seu avô.
— Ele parou – disse decepcionado. –
Ficar sem relógio vai ser difícil.
— Hum... – Cadmo se aproximou. – O que
é isso?
— Serve para ver as horas. — E o tirou
do pulso. — Ele quebrou.
Cadmo o pegou e o colocou em cima
da mesa, o analisou meticulosamente e com uma ferramenta o abriu, mexendo em
algumas peças. Peter tentou impedí-lo, mas era tarde demais.
Lucila se aproximou dos objetos e
pegou o celular.
— Para que serve?
— Pra tudo! – Thomas respondeu inquieto.
— Você pode se comunicar com outras pessoas, ouvir músicas, tirar foto... – Ela
fez cara de desentendida.
— Se comunicar? Tem um mensageiro
aqui dentro? – Ela sacudiu o celular quebrado. – Como é possível?
— Espera. – Thomas parou e se virou
para as três pessoas daquele novo mundo. – Quer dizer que aqui não tem carro,
avião, prédios, celular ou qualquer outra coisa que me faça feliz? – Pela cara
deles, como se ele falasse em outra língua, significava que não. – Por favor,
me digam que tem TV aqui, qualquer uma! – Peter riu e colocou a mão no ombro do
amigo.
— É isso ai... Vamos ter que
aprender a viver sem tudo isso – sentindo a verdade em suas próprias palavras,
olhou para Gilbert. — Como sairemos daqui? – perguntou mudando de humor.
Ele em parte acreditava que aquilo
estivesse realmente acontecendo, via e sentia tudo ao seu redor. Aquilo podia não
ser algum sonho maluco, muitos físicos já afirmaram que planos paralelos
existem, mas nunca, ninguém, esteve em um deles. E já que estava lá, deveria
fazer algo, principalmente saber como sair dele.
— Magnus amaldiçoou nossa vila, por
isso está escuro lá fora. Ele nos obriga a viver na escuridão sem que possamos sair
dela. O vilarejo é cercado por uma barreira mágica –informou.
— Isso é sério? Ele fez um... Feitiço? Aqui existem bruxos de verdade?
— Aqui deve ser pior que Lost, tá mais pra Harry Potter... –
Thomas murmurou espantado.
— Sim, e várias outras deidades
também. E no seu mundo, não há? – Lucila perguntou.
— Não mesmo! – Peter respondeu. – Só
em filmes e livros, mas mesmo assim tudo é mito, fantasia, diferente daqui.
Lucila, Gilbert e Cadmo entenderam
metade do que Peter havia dito.
— Mas então como resolvemos esse
problema? Eu... Não tenho poder nenhum... Aliás, se eu não sou daqui, significa
que não sou o Escolhido – disse relativamente contente.
Gilbert se aproximou e colocou a mão
no ombro dele.
— Exatamente por você não ser
daqui, acredito ainda mais que você seja ele.
Peter o encarou, tentando não
acreditar em suas palavras.
Lucila ficou pensativa e suspirou.
— O que faremos? - perguntou ao
ministro.
— Apenas o tempo nos dirá, querida.
Enquanto isso, vou falar com nosso povo, eles precisam de uma resposta. Você
poderia acomodar nossos convidados? – Ela assentiu. – E acho melhor ninguém
saber de onde vocês realmente são. — Eles concordaram.
— Tente agora. – Cadmo devolveu o
relógio a Peter, que puxou o pino lateral, girou e pressionou. O ponteiro dos
segundos voltou a funcionar.
— Deu certo! — disse contente. —
Obrigado.
E saíram do chalé, acenando para
Cadmo.
— Então... Você é daqui? – Depois
que perguntou, Peter viu o quão idiota tinha sido sua pergunta. Ela o olhou
sobre o ombro.
— Desde que nasci – respondeu um
tempo depois.
— E a maldição é de quanto tempo?
— Um pouco depois de eu nascer.
As pessoas passavam por eles cochichando, algumas pareciam
com medo, umas contentes e outras desconfiadas.
— Aqui. — Ela parou em frente a um casebre simples, feito de
madeira. – Ah, e... Pode me chamar de Lyla. – Ele assentiu encantado.
— Nossa, isso me lembra Senhor dos Anéis... – Thomas disse.
Peter o olhou surpreso.
— Você leu o livro? Não acredito!
— Ah, deixa disso, minha mãe que é viciada nesses livros e ela
me contava tudo.
— Venham. Gilbert nos esperará aqui. – E abriu a porta.
Assim que entraram naquele espaço meio abafado, as pessoas
olharam para eles e começaram a aplaudir.
— O que estão comemorando? – Peter indagou.
— A sua chegada.
Enquanto passavam, Peter deu acenos tímidos e sorrisos
desconcertados até sentarem em uma mesa de madeira negra, com bancos
desconfortáveis e forrados com alguma espécie de couro.
Uma mulher se aproximou com um pedacinho de papel e um
potinho de tinta.
— Alguma coisa? Por conta
da casa. – E piscou para Peter.
Os garotos se entreolharam, sem saber que emoção ao certo sentir.
— Hã... Agora nada. Obrigado. – Peter respondeu sem graça.
Lyla riu baixinho.
— E você, querida?
— Uma anetita azul, por favor.
— Que diabos, é isso? – Thomas perguntou quando a atendente
saiu.
— Em que espécie de mundo vocês vivem? — Ela conteve rir. — É
uma bebida feita de frutas azuis e timak[1].
Minha favorita.
— Falou grego.
Peter se manteve calado com a cabeça apoiada nas mãos,
pensando em que confusão tinha se metido. Ele virou o rosto e olhou para a
garota mais linda que já tinha visto; o rosto de Lyla era delicado, seus lábios
eram cheios na medida certa, seu sorriso era como de uma criança e ele podia
jurar que a pele dela brilhava suavemente, enquanto ela e Thomas tentavam se
entender com as palavras de seus mundos.
Ele deveria voltar para casa, mas também não queria deixá-la.
Queria conhecer aquela garota misteriosa e junto com ela esse novo mundo, o
mundo que ele só via nos livros e filmes. Ele tinha aquela oportunidade e no
fundo sabia que tinha muito o que fazer naquele mundo e que o destino guardava
algo para ele.
A porta da taverna se abriu e viram Gilbert conversar com uma
mulher de cabelos ondulados castanho claro, que não passavam dos ombros.
— O que foi? – Lyla perguntou para si mesma e levantou indo
na direção dos dois.
— Ela é muito gata, hein? - Thomas disse, enquanto eles observavam
ela se afastar.
— Nem vem, eu a vi primeiro. Ela já é do Escolhido aqui! – Peter brincou. Thomas esmurrou o braço dele e
ambos riram.
A mulher e Gilbert estavam sérios e preocupados.
— Está tudo bem? – Lyla perguntou. — Mãe, o que foi?
— Preciso te dizer uma coisa, querida. – Shaya afagou os
cabelos da filha.
Gilbert tocou o braço de Shaya e foi falar com os meninos,
colocando de volta um sorriso no rosto.
— Algum problema? – Lyla perguntou olhando para os garotos.
— Não, está tudo bem com eles. Eu é que tenho que te dizer
uma coisa... Um segredo que guardei há muitos enes. – O rosto de Shaya se
converteu em dor.
— Agora?
— Sim, Aril pediu que te contasse a verdade quando o Escolhido
finalmente chegasse. E essa é a ocasião.
Lyla assentiu curiosa enquanto saiam.
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